Breve Nota Arquivística
Maria Isabel Fevereiro
Directora do Arquivo Histórico-Diplomático
Setembro 2000
É sobejamente conhecida do público investigador a riqueza dos fundos documentais do Arquivo Histórico-Diplomático (AHD) no que respeita à política externa portuguesa no período da II Guerra Mundial. Dessa riqueza dão conta os vários trabalhos, publicados e não publicados, fruto de pesquisas nele realizadas. E, apesar da já significativa bibliografia existente e da edição de fontes publicada pelo MNE nos denominados “Livros Brancos” (no caso vertente, os 15 volumes dos “Dez Anos de Política Externa, 1936-1947”), o período da II Guerra Mundial continua a ser um dos mais procurados pela comunidade de investigadores.
Contudo, a exploração das variadas vertentes da temática ainda se encontra longe de esgotada. É o caso da questão dos refugiados, a qual não foi ainda objecto de um estudo aprofundado e exaustivo, embora tenha merecido já abordagens pontuais e dirigidas de alguns estudiosos.
Possivelmente, não serão estranhas a esta ausência de obras sobre o assunto, as dificuldades que se deparam a quantos pretendam dedicar-se ao seu estudo, e que colocam o investigador perante um trabalho que exige grande disponibilidade em termos de tempo de pesquisa. De facto, para além do considerável volume documental envolvido e da natural dispersão das fontes pelos diferentes núcleos orgânico-arquivísticos do AHD (cujas ligações nem sempre são óbvias e imediatas), muitos processos denotam uma sintomática desorganização de origem, reveladora das próprias dificuldades de gestão do problema na época. Acresce que, a ausência e/ou inexistência de alguns arquivos dos postos diplomáticos e consulares não permite complementar a investigação com material específico dos mesmos e colmatar as pontuais (mas inevitáveis) lacunas dos arquivos da Secretaria de Estado. Alguns dos antigos arquivos das legações/embaixadas e dos consulados desapareceram na violência devastadora dos conflitos – é o caso da Embaixada em Madrid e da Legação em Berlim. Outros não chegaram até aos nossos dias por só muito tardiamente se ter compreendido o valor histórico da documentação consular. Outros, ainda, aguardam possibilidade de remessa para Lisboa, onde não é possível recolhê-los dada a superlotação dos depósitos do AHD.
Relacionada com a questão dos refugiados está a actuação de alguns diplomatas portugueses que se empenharam pessoalmente em salvar o maior número possível de perseguidos. É esse o tema da presente exposição, dedicada exclusivamente às actuações de Aristides de Sousa Mendes (Bordéus, 1940) e de Sampaio Garrido e Teixeira Branquinho (Budapeste, 1944). Esclareça-se, no entanto, que esta exclusividade não traduz qualquer conclusão no sentido de terem sido esses os únicos diplomatas que desempenharam um papel relevante neste âmbito, significando única e simplesmente que ainda não foi possível realizar uma pesquisa mais ampla e aprofundada que permita revelar eventuais actuações similares de outros.
Exceptuando o conjunto de fotografias de Roger Kahan e as provas do artigo da autoria do jornalista César dos Santos, material gentilmente cedido pelo Prof. Dr. Moisés Fernandes (e, ao que parece, inédito), a presente exposição é constituída unicamente por documentos do AHD.
Dado o seu carácter itinerante, decidiu-se não expor os documentos originais, mas sim as reproduções fotográficas dos mesmos, tendo havido, contudo, a preocupação de que estas fossem o mais fiéis possível aos originais, tanto em termos de dimensão como de cor.
No que respeita à selecção documental, foi nossa intenção fornecer ao visitante todos os elementos essenciais, todas as peças necessárias à compreensão dos episódios apresentados, e não apenas ilustrar alguns dos seus momentos mais significativos. Tal só foi possível porque os próprios casos se balizam em curtos espaços temporais, permitindo exibir, como se de um filme se tratasse, toda a sequência dos acontecimentos.
Pretendeu-se que os documentos falassem por si próprios, e que o visitante fosse induzido a uma leitura directa dos mesmos. Nesse sentido, prescindiu-se das legendas que usualmente os acompanham, entendendo-se que estas implicariam uma inevitável redução e interpretação dos conteúdos a que se reportassem. Por outro lado, e dado que a exposição se destina não apenas à comunidade portuguesa nos EUA, mas também ao público americano em geral, procurou-se possibilitar também aos que desconhecem a língua portuguesa, uma leitura, ainda que indirecta, do material exposto. Para o efeito, substitui-se a tradicional descrição arquivística, das entradas no catálogo (bilingue), pela transcrição do(s) trecho(s) considerado(s) mais significativo(s) do próprio documento. Pelo mesmo motivo, o catálogo inclui 15 anexos documentais, correspondentes aos documentos que, pela sua importância e extensão, entendemos justificar-se apresentar na íntegra. Proporciona-se assim, ao público americano, a leitura da tradução das citações e transcrições documentais, tradução essa que procurou respeitar tanto o estilo da época, como o dos próprios autores. Em suma, de uma forma ou de outra, o público sentir-se-á “forçado” a entrar em contacto com o documento em si, com a mensagem por ele veiculada.
Esperamos que a intimidade desse contacto motive os leitores e lhes proporcione emoções apenas transmissíveis pela apreensão da linguagem (pensamento) dos próprios protagonistas e à qual a descrição arquivística retiraria naturalmente toda a intensidade de expressão.
É sabido que as exposições documentais são pouco apelativas e que se arriscam a ser enfadonhas, mesmo para um público mais erudito. Assim, procurámos cativar o interesse dos visitantes através da exibição, no próprio espaço expositivo, de partes do premiado documentário sobre Aristides de Sousa Mendes, da responsabilidade de Diana Andringa, Teresa Olga e Fátima Cavaco. O facto de o visitante poder acompanhar o drama de Sousa Mendes, através da magia da imagem, irá por certo aguçar-lhe a curiosidade para a leitura dos papéis expostos, matizando a sua inerente aridez.